Escrevo para compartilhar algumas importantes observações sobre as condições meteorológicas previstas para a próxima semana, bem como algumas definições e referências históricas pertinentes.
Está chovendo forte em Pirabeiraba, Joinville hoje (16/11/2024), sinalizando uma Lestada. Já houve uma enchente cabeça de água nas proximidades. Como sempre, essas chuvas foram mal previstas pelos modelos.
Semana passada tivemos um evento com cabeça de agua e detritos em Jacinto Machado.
Lestadas se refere a uma chuva acompanhada de vento do Leste, que pode durar três dias ou mais.
Desde que voltei de Santa Catarina, após concluir meu mestrado em 1994, tenho me dedicado a compreender o evento e a investigar como ele influenciou os moradores locais do litoral de SC. Percebi um medo generalizado que, inicialmente, parecia injustificado. Atualmente, acredito entender as razões e como tudo isso ocorre.
Somente recentemente descobri “quase todos” os processos que ocorrerem numa Lestada e como elas se formam/ se formaram. Isto está em publicação. Porém o temo que possa algo de mais grave me fez compartilhar dicas com vocês. Se isto não ocorrer melhor.
Porém antes disso, é importante notar que existem dois tipos de Lestadas, os quentes e as frias e que conhecemos melhor são as 'quentes' (1994 em Joinville, 1995 em Floripa e 2008 em todo o litoral de SC).
As Lestadas frias eram particularmente comuns durante a Pequena Era do Gelo, que se estendeu aproximadamente de 1300 a 1850.
Um evento histórico significativo foi denotado de a Terrível Lestada de 1838. Existem outros eventos frios conhecidos, mas o último deles aparamente ocorreu na década de 1950 e foi relativamente fraco.
A Terrível Lestada de 1838 é descrita nos livros "Memoria Histórica da Provincia de Santa Catharina" por Manoel Joaquim D'Almeida Coelho, "Chorographia de Santa Catharina" por V. da Rosa, e em uma pintura da época que mostram a ilha de Santa Catarina desprovida de vegetação e com várias erosões do tipo tromba, que identifiquei como sendo provocadas por intensas precipitações.
Elas evidenciam a severidade das condições climáticas daquele período e o risco das Terríveis Lestadas. Segundo os autores, a destruição se estendeu por toda a província. Outro exemplo é o evento de gelo que cobriu São Francisco do Sul com 5 metros de granizo em 1785, o que resultou na morte de tudo que não estava abrigado. Quem quiser se aprofundar sobre esses temas tenho outros artigos sobre esses temas.
Além disso, gostaria de mencionar um fenômeno atmosférico que descrevi que chamei de toró e que devo apresentar na AGU em Washington DC agora em dezembro.
Para esclarecer, um "toró" é definido como um microexplosão líquida organizada por um relevo abrupto (penhasco). O termo "toró" foi escolhido em vez de "tromba d'água" para evitar confusões e indicar que o fenômeno já era anteriormente conhecido. Na língua guarani, que é onomatopeica, a palavra imita os sons do evento: “Toooo” (o som da água caindo na atmosfera) e “Roooh” (o som da água caindo sobre um penhasco). Este som foi relatado por várias testemunhas durante minha visita ao local.
Segundo os relatos as Terríveis Lestadas vinham acompanhas de muito gelo, descargas elétricas e trombas de água, que viravam barcos de cabeça para baixo.
Os toros são rios de água que caem do céu e pelo que vimos nos últimos eventos no Brasil (SC, RS, SP) eles podem superar 10 mil milímetros de água por minuto e sempre provocam cicatrizes retas nos penhascos e geram as enchentes cabeças de água.
É possível que as trombas de água se transformavam em toros e vice-versa.
Esse parece ter sido o caso de São Sebastião no ano passado.
Compreender por que as Terríveis Lestadas e os torós eram mais comuns anteriormente, depois se tornaram raros e agora estão se tornando mais frequentes é uma questão importante. No passado, durante a Pequena Idade do Gelo, a isoterma de zero graus estava aproximadamente 1000 metros abaixo do nível atual. Antigamente, era necessário que a isoterma de zero estivesse a cerca de 3 km para acionar os torós. Atualmente, o aquecimento global está fazendo com que eles sejam acionados a 4 km. Essa é minha melhor teoria. Talvez tenham outros fatores.
No evento de 1838, Santo Antônio de Lisboa é uma localidade conhecida por seu riacho temporário e chuvas torrenciais, cujas erosões resultaram em voçorocas com profundidade de até 5 metros. Esse fenômeno levou várias casas bem construídas a serem engolidas pela baía Norte. De acordo com os moradores locais, os restos dessas estruturas ainda podem ser vistos na praia.
Considerando a variabilidade climática observada nos últimos anos e a crescente frequência de fenômenos extremos com erosões do tipo tromba causadas por torós, é crucial estarmos preparados para lidar com essas mudanças.
Recomendo que todos tomem as precauções necessárias e acompanhem as atualizações dos serviços meteorológicos.
É essencial que os profissionais que analisam radares meteorológicos atentem-se ao BWER.
O BWER, sigla para "Bounded Weak Echo Region" (Região de Eco Fraco Delimitada), é um fenômeno meteorológico observado em imagens de radar, associado a tempestades severas. Ele se caracteriza por uma região de baixa refletividade no radar, cercada por áreas de alta refletividade. Este fenômeno se forma devido à presença de correntes ascendentes intensas que transportam gotas de água e partículas de gelo para altitudes elevadas.
A associação entre o BWER e as trombas d'água e torós é crucial para entender e prever esses eventos extremos. As correntes ascendentes intensas, indicadas pelo BWER, são um componente fundamental na formação de trombas d'água, pois fornecem a energia necessária para a ascensão rápida da umidade, que, ao atingir altitudes elevadas, condensa-se e forma nuvens cumulonimbus altamente instáveis. Esse processo é essencial para a geração de trombas d'água, que podem evoluir para torós quando encontram condições topográficas favoráveis, como penhascos abruptos.
Além disso, é importante notar que os torós produzem dois sons característicos, muitas vezes descritos como Too e Roó devido à grande quantidade de água caindo em alta velocidade e que pega no solo. Esses eventos não apenas provocam enchentes regulares, mas também enchentes de detritos e cabeças de água. As enchentes de detritos ocorrem quando a água em grande volume arrasta consigo terra, pedras e outros materiais do solo, causando danos significativos às infraestruturas e ao meio ambiente. Já as enchentes cabeças de água são rápidas e intensas, surgindo de forma repentina e com grande poder destrutivo, podendo devastar áreas urbanas e rurais em questão de minutos.
Obviamente, se se trata de uma tempestade assim, é provável que ocorram descargas elétricas. Aqui em Pirabeiraba não ocorreu nada. A presença de relâmpagos e trovões também foram descritos por testemunhas dessas Terríveis Lestadas.
· Nuvens Frias com topo além de (-22C) no satélite IR
· Isoterma de zero graus por volta de 4 km
· BWER (Bounded Weak Echo Region) no radar
· Sons característicos dos torós (Too e Roó)
· Enchentes de detritos e cabeças de água
· Descargas elétricas (possivel).
· Erosões e lineares nos desfiladeiros
Estou à disposição para qualquer dúvida ou esclarecimento.
Atenciosamente
Reinaldo Haas
A Terrível Lestada de 1838 é descrita nos livros "Memória Histórica da Provincia de Santa Catharina" por Manoel Joaquim D'Almeida Coelho, usando como base o livro "Chorographia de Santa Catharina" por V. da Rosa, e em uma pintura da época que mostram a ilha de Santa Catarina desprovida de vegetação e com várias erosões do tipo tromba, que identifiquei como sendo provocadas por intensas precipitações.
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Além das enfermidades que acabamos de referir, tem a Província passado por alguns outros trances bem sensíveis, dos quais sabemos de uns, por havermos presenciado, e de outros por notícias que nos transmitiram pessoas de todo crédito. No ano de 1811, em Quarta-feira de Cinzas, foi a Ilha de Santa Catarina, e quase toda a costa da Província acometida de um tão forte temporal de chuva e vento da parte de leste, que arrasou a lavoura; destruiu e conduziu ao mar todas quantas pontes havia, além de muitos outros estragos.
No ano de 1830, pela madrugada do dia 15 de abril, foi a Cidade do Desterro, e toda a Ilha e Continente fronteiro, acometida de um furacão de vento da parte do Sul, tão rijo, que trouxe a praia quantos navios se achavam ancorados no seu porto: o mar cresceu de maneira que, impelido do vento, fez chover ainda nos lugares mais elevados, água salgada: houve quem atribuísse a um terremoto: durou, porém, poucos minutos; o que, certamente foi uma fortuna; porque, a continuar por mais algum tempo, ficaria a Cidade rasa: a lavoura da Ilha e seus subúrbios da terra firme, ressentiu-se tanto, que, desde então (assim o creem muitos habitantes) aparecerem diversas enfermidades nas árvores, e outras plantas. E a este temporal pois que se atribui a escassez de frutas, e outros males na lavoura.
No ano de 1838, nos dias 9, 10 e 11 de março foi a Ilha, e toda costa da Província, acometida de um temporal de chuva e vento da parte de leste tão rigoroso, que abriu enormes rasgões pelos morros: quase toda a lavoura ficou rasa: todas quantas pontes haviam desapareceram: na Capital rebentaram olhos d'água mesmo em terrenos muito elevados: algumas casas foram arrasadas e conduzidas ao mar pela força das águas: na Freguesia de N. S. das Necessidades, mais conhecida por Santo Antônio, desapareceu a casa, aliás bem construída, do Tenente Joaquim José da Silva, e conjuntamente com ele ficou sepultado toda sua família composta de onze pessoas.
Na Várzea do Ratones outra casa com a família de João Homem teve a mesma sorte: em outros lugares da Província consta que houve outras vítimas. O mar tornou-se, em grande distância da terra, vermelho do muito barro que recebeu; e mal se viu boiar...n'algumas partes animais, ou a fortuna de muitos lavradores. Muitas famílias ficaram reduzidas à penúria e miséria. Embarcação houve no porto da Cidade, que virou a quilha para cima.
No último dia, porém, permitiu a Suprema Providência que começasse a acalmar o temporal; e só assim, porque a continuar por mais 48 horas, de certo apareceriam depois sobre a costa, especialmente da Capital, só montões ou ruínas, e tal qual edifício. Mal se pode calcular o prejuízo da Província, e menos julgar do valor das terras que se tornaram inúteis. Por Decreto da Assembleia Legislativa da Província n.º 89 de 7 de Abril desse ano, foi a Câmara Municipal da Capital favorecida com um suprimento para reparar os estragos mais sensíveis; e o Digno Deputado à Assembleia Geral Jerônimo Francisco Coelho, conseguiu obter que o Governo Imperial mandasse repartir pelos habitantes, a quem o temporal reduziu à penúria, 40 contos de réis. Infelizmente, porém, é sabido que só vieram 20 contos, e que estes mesmos tiveram outra aplicação, muito distinta daquela para que foram destinados.