A questão da nomenclatura e dos termos regionais e a criação de uma universidade indigena

Levamos um ano inteiro para definir o uso do nome Furacão Catarina, escolhendo-o por ser mais útil para a população. El Niño era o nome do deus menino que invertia a corrente de Humboldt. Furacão era o Deus dos ventos e das tempestades dos Maias, um nome que evocava poder e respeito. A escolha desses nomes foi uma boa estratégica que visando chamar a atenção e comunicar a gravidade do fenômeno de maneira clara e direta ao público geral.


Recentemente, soube que meu pôster intitulado "Toró: A New and Dangerous AtmosphericHazard" foi classificado no topo do "press release" da conferência, que contará com a presença de 25 mil participantes.

Apesar da recepção positiva, houve pouca divulgação no CPAM 2024, e a sessão oral planejada para o CBMET foi cancelada na última semana. Portanto faço esse e-mail para compartilhar essas questões com vocês.


O caso agora é “tromba de água” como chuva forte e as consequentes enchentes cabeça de água. Em 2019, Walter Collischonn e Masato Kobiyama publicaram "A Hidrologia da CabeçaD’Água (3): Síntese”. Onde os autores apenas falam da parte hidrológica do fenômeno, tangenciando a parte geológica e atmosférica.


O que sugiro é que existem um fenômeno (ao qual sugiro o uso da terminologia toró*), que deve ter uma precipitação (água e granizo) com 10000 mm por minuto e que dura entre 20 e 60 segundos e que corta tudo o que encontra pelo caminho.

As cicatrizes são facilmente identificáveis por imagens e fotos e estão em todos as grandes tragédias no Brasil e no mundo.  Eu já escrevi sobre isto.

O mesmo fenômeno ocorre com o termo "Lestada," que tem profundas raízes na cultura da Ilha de SC, mas está sendo negligenciado.


A Lestada, um termo profundamente enraizado na cultura da Ilha de SC, é descrita pela frase “Lestada mar rebojo três dias de chuva, medo e nojo”. Este termo se refere a um fenômeno climático caracterizado por ventos fortes e persistentes vindos do mar, acompanhado de chuva forte e contínua que costuma durar pelo menos três dias. Este evento provoca agitação intensa no mar, e destruindo paisagem inteiras ambiente de apreensão entre os habitantes locais.


Ao contrário de querer tirar o corpo fora, fui um dos responsáveis por isso ao colocar no rodapé o termo "Lestada" e, ao mesmo tempo, fui eu quem ajudou a desaconselhar o uso de "tromba de água" como chuva forte por ocasião em que as planilhas meteorológicas foram "digitalizadas" na EPAGRI. Sempre é tempo de corrigir. O termo "Lestada" foi bem definido no texto "Na roça" pelo jornalista J. Prates. Jornal do Comercio (SC) 11 de Julho de 1884



Jornal do Comercio (SC) - 1880 a 1894 - DocReader Web 

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Na roça


O leitor já assistiu na roça a um desses temporais a que o vulgo chama "lestada", do nome do vento que sempre sopra nessas ocasiões? É pouco provável... Por isso mesmo é que vou, não digo descrever, mas esboçar ligeiramente o que é uma Lestada.


Uma Lestada! Oh! Esse nome que os habitantes da cidade pronunciam com indiferença, friamente, produz no ouvido do lavrador um som terrível, medonho, como medonhas e terríveis são as consequências da Lestada!


E por quê? No que acabei de dizer existe a resposta: porque o lavrador é a vítima mais amofinada desse temporal; porque ele vê, de um dia para outro, irem-se-lhe as roças, as colheitas prestes a realizarem-se, o gado e, não poucas vezes, a própria casa, ficando com a família ao desabrigo, chorando com fome e tremendo com frio.


E mesmo assim deve dar-se por muito feliz em escapar vivo e são com os seus, enquanto os vizinhos, e muitas vezes os mais próximos, perecem sob alguma dessas montanhas ambulantes...


Antes que, durante o período da Lestada, as águas, perfurando a terra, façam com que se desloquem, em vertiginosa carreira, descendo pelas encostas dos montes, destruindo tudo o que encontram e deixando em sua passagem tristes vestígios. Esses vestígios se revelam em profundos sulcos, medonhos abismos abertos no solo despido de vegetação e como que calcinado.


Uma dessas montanhas ambulantes é formada por árvores arrancadas, pedras enormes, lama e água, cujo aspecto medonho e ruído temeroso fazem lembrar o mascaret do Garonne ou o pororoca no nosso majestoso Amazonas. O vulgo batizou esse fenômeno com o nome de ôlho-d’água, aludindo ao fato de que esse terreno de aluvião provém da arrebentação de algum olho d’água.


Uma Lestada! Pronunciai essa palavra diante de algum lavrador e vereis como ele estremece, descora e, no meio de sua comoção, volve os olhos ao céu, como quem diz:

— Senhor, ele fala em Lestada... Se é profecia, fazei com que não se realize. Bem sabeis se tenho ou não razão em temê-la...


O campo, de ordinário tão risonho, com o seu verde puríssimo disputando a primazia com o azul celeste, muda muito de figura durante uma Lestada!


O azul dos céus, o esmeraldado dos campos, o dourado das montanhas ao pôr do sol, a limpidez e transparência das águas, o ciciar brando da brisa, o chilrear variado de mil passarinhos, o aroma das flores... tudo desaparece!


Em lugar de tantos encantos e de tanta variedade, restam as tristezas, os medos, a monotonia que traz consigo a Lestada.


Um céu cor de chumbo, uma atmosfera turva e acinzentada, um horizonte caliginoso onde se acumulam nuvens negras e tempestuosas, assemelhando-se a montanhas suspensas por alguma divindade infernal; o gemer lúgubre e desesperado do vento na copa do arvoredo já cansado e convulso; a chuva listrando o ar em direção oblíqua, o som sombrio sussurrando no telhado, as águas turvas pelo barro que escorre dissolvido dos montes — eis o que a Lestada traz; eis o que ela dá, para que não a esqueçamos. A ausência dos atavios com que a natureza enfeita o campo nos seus dias felizes!

Triste compensação essa!...

Não será isso uma ironia de Satanás?

J. Prates

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OBS: O que o pessoal achava ser feito pelos olhos d'água, são, na minha opinião, provocados pelos torós.

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Quantos novos fenômenos e quantas pessoas poderiam ser beneficiadas com um trabalho eficaz de revisão bibliográfica, incluindo hemerotecas e livros antigos? O quanto teríamos aprendido se tivéssemos consultado os indígenas sobre como transformar o solo em fértil, como a Terra Preta indígena? Dessa forma, é relevante a notícia da criação da Universidade Indígena no Brasil. Um colega meu relatou que a Etnopedologia considera que as ciências do solo dos indígenas superior a moderna em muitas partes.


A valorização e o respeito pelos saberes indígenas não apenas enriquecem nossa compreensão do mundo, mas também oferecem soluções sustentáveis para problemas contemporâneos.


É fundamental que continuemos a investigar e a aprender com todas as fontes de conhecimento disponíveis, reconhecendo que a sabedoria ancestral pode nos guiar para um futuro mais harmonioso e equilibrado.


Assim, ao nos depararmos as terríveis Lestadas, sejam elas físicas ou metafóricas, lembramos que a resiliência e a sabedoria daqueles que vieram antes de nós podem iluminar nosso caminho.


* Toró - Como o guarani é uma lingua onomatopeica, provavelmente, vem do dois distintos sons observados pelas testemunhas do evento.

O primeiro parecido com um trovão formado pelas ondas de choque que se formam depois da passagem do evento atmosfera e o segundo desse evento cortando as arvores, pedras e tudo mais pelo caminho.